sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Parte IV

Escrevo aqui como um ateu que ora, sem esperança de ser ouvida. Ou quase sem.

Onde foi mesmo que paramos? Ah, entre o o teu ciúme, o Catamarã e as grades da tua casa.

Voltando ao fio da história, nossos primeiros meses foram de sonho. Eu só queria correr para casa, onde sabia que me esperavas.

Veio subitamente a vontade de arrumar e decorar aquele espaço que só agora era a minha casa de verdade.

Com o tempo fui descobrindo que tu é que eras a minha casa.

Por isto, quando partiste eu só voltei para buscar minhas coisas. A paredes mais reais foram contigo. Sobraram lá apenas ruínas do que um dia havia sido um lar.

Minha parede coberta de retalhos, nossas fotos coladas, a torre Eiffel que insistia em descolar...tudo eram marcas de desolação depois que fostes.

Tuas coisas, tantas coisas, que ficaram para trás, me lembravam do tanto de ti que ficou em mim.

Tentei te contactar para te entregá-las, mas não houve resposta.

Sabias bem que teu silêncio seria a melhor vingança. Nada poderia me machucar mais do que ele.

Desejei diversas vezes que me ofendesses, que brigasses, qualquer coisa menos teu silêncio.

Não sei se interpreto esta ausência de contato como uma vingança ressentida ou como uma ausência protetora.

Quando fechei a porta do apartamento, deixei lá todas as certezas. Eu era tão cheia delas...

Lembro quando eu chegava do trabalho e sentava no teu sofá, pernas sempre no teu colo (exceto quando a Gorda chegava primeiro) e me ensinavas sobre pinturas, filosofia, cinema e literatura.

E eu ali, feito menina, deslumbrada com o tanto que sabias.

Eu bebia os teus olhares e o teu prazer de ensinar. Acho sim que serias um grande professor.

Amei todas as tuas aulas, das literárias às sexuais.

Tudo o que fazer, tem arte. Até mesmo o "não saber dançar" era uma ótima razão para eu ficar agarrada na tua cintura.

Lembra no Insano? Até pensei que fosse minha falta de jeito em dançar contigo, por isto pedi à Liane que te ensinasse. Ficaste até bravo comigo.

Deixei de ir ao forró, mas não me fazia mais falta.Toda a euforia e alegria que eu precisava, tinha contigo.

Viver ao teu lado era uma eterna balada, todo dia era domingo mesmo que eu trabalhasse.

Bastava chegar em casa e te ver que eu ouvia música sem precisar ligar o rádio.

Tu foste a todos os meus compromissos incansavelmente.  Foste simpático e querido com todos os meus amigos, encantando-os com teu sorriso aberto de menino.

Conquistaste meu filhos, tanto quanto a mãe deles. Maria Antônia te chamou de amor, de pai...Mauricinho quase chorou quando contei que o "tio Leo" tinha voltado para S. Leopoldo e não nos veria mais. Engoli as lágrimas para chorar longe dele.

Antes de partir, disseste que estavas cansado de "viver a minha vida"...sei que não foi fácil, mas eu me preocupava com o fato de ficares muito tempo sozinho, por isto te "arrastava" junto para todo lado.

Sei que fiz muitas coisas erradas, nunca neguei que sou mesmo atrapalhada. Algumas menores, outras imensas...sou humana...tu não??

Procura em toda a tua filosofia, em toda a tua racionalidade e depois, procura no teu coração até encontrar a seguinte resposta: "se me amavas, e era verdadeiro, onde foi parar todo o amor que professavas? Transformou-se? No quê?"

Não, eu nunca vou falar mal de ti e é por um motivo bastante racional e simples: tu me trouxeste alguns dos melhores momentos e realizações da minha vida! Sem ti, eu não teria meu livro, minha prosa, parte da minha arte, todos os momentos incríveis já vividos a dois, tudo o que já aprendi contigo.

Não. Não há queixas, senão a saudade, a ausência e esta dor, que só existe por que ainda é amor.




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