sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Não tem pão? Comam brioches!



Em frente
ao palácio,
cercado
de avatares,
aqueles
dorsos
despidos,
suados
e pintados,
ostentavam
seus cocares,
representando
outros

tantos
milhares,
com calos
na mão que,
armados
só da voz,
pediam vez
para trocar
apitos
por
um punhado
de chão.
De dentro
do palácio
nem um grão.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

imperdível...inscrições para historiasaopedodouvido@gmail.com solicitando a ficha de inscrição

Photo: Imperdível!

Sempre o Olhar

Ele atravessava aquela rua uma vez por semana. Toda semana. E ela estava sempre lá.

A pequena janela era mais um olho sem par, encarapitada no topo do edifício caolho, tão antigo que parecia ter brotado do chão antes mesmo da cidade ser semente.
Ele não precisava ver; sentia o olhar em cada centímetro cúbico de si.

A persiana, feito uma pálpebra,sempre ligeiramente erguida. A penas o suficiente para que a pupila por trás dela se dilatasse quando ele passava. Era quando ela permitia a entrada de uma réstia de luz.

Tão logo seus passos o conduziam para além do campo de visão, a pálpebra era cerrada, como se o domínio da função daquela janela pertencesse ao mundo real apenas enquanto ele passava por ali.

Apenas o olhar ousava cruzar janela afora. A penas o luar esgueirava-se janela adentro.

Sempre à mesma hora. Sempre os mesmos movimentos. A penas as lunações variavam.

Sentir-se observado era um incômodo menor do que sua curiosidade. E desaparecia tão logo ele adentrava o prédio da escola.
Após o "-Boa noite, professor", sempre acompanhado de um sorriso macio do porteiro, ele  pensava apenas na aula a ser ministrada em seguida.

Entretanto, o olhar sempre fora algo muito representativo em sua vida. Perdera a conta das vezes em que seus olhos verdes e oblíquos lhe haviam criado problemas. Fossem apenas verdes, quem sabe...mas eram compostos de centenas de centelhas esverdeadas de todos os tons da cor.

Não era algo incomum uma ou outra aluna perder-se naquele olhar. Mas eram sempre mantidos os limites do platônico amor das pupilas pelo mestre.

Na saída da aula, alguém o aguardava. O prédio. A janela. A persiana erguida, pela primeira vez...

Por trás dela uma pupila dilatada, ferida vermelha que sangrava  ressentimentos.

Sem poder identificar-lhe o rosto, velado pela pouca luz, o professor sentiu o sangue gelar ao antecipar-lhe as intenções. O corpo dentro do vestido vermelho encostado ao umbral perigosamente baixo da janela.

De qualquer modo, não haveria tempo para qualquer atitude. A lágrima rubra precipitou-se no vazio, como um olho que salta da órbita.

Foi uma queda muda para todos os transeuntes. O grito dançava apenas nos ouvidos dele.

No fim, a chaga rubra no chão atraiu as moscas. Pessoas aglomeravam-se em camadas, movidas pela mórbida bisbilhotice tão desprovida de humanidade.

Os pés dele pareciam ter criado raízes profundas. A penas o pensamento corria.

Quando o grito finalmente se calou em sua cabeça, estranhas batidas assumiram o posto.

Foi quando ele lembrou  "O Coração Delator", de seu escritor favorito E.A.Poe...

Sim, as batidas que ele ouvia eram de um coração, que durante muito tempo batera por ele, silenciosamente.
Somente agora ele descobriria...

No ímpeto de quem teme a pré ciência do fato, ele abriu caminho entre os curiosos, alcançou o corpo e foi devorado por seu medo mais monstruoso: o olhar que refletia a escuridão da morte da noite de lua nova lhe era desgraçadamente familiar.
Despisse-lhe a frieza da ausência de vida e eram aquelas bolas de gude que o seguiram aonde que que fosse, no ano anterior.

Assentavam-se na face rechonchuda da pupila na última classe da última fila, junto à parede. Aquela, sempre calada.

Ele abriu a boca, mas o grito de horror ficou pendurado, como o pedaço rasgado do vestido, junto ao peitoral da janela.
.
Ignorando o murmurinho enlouquecido em torno, eles compartilharam um último momento de silêncio.


Viagem

Não sei bem como começar. Dialogar com palavras próprias é um diálogo, ou um monólogo?
Bem, para uma bipolar, é mesmo um diálogo. Mas não quero que isto pareça uma D.R.!

Se eu sei tudo o que eu sinto, então talvez possa parecer que não haja sentido em escrever, mas não escreve-se para que faça sentido, escreve-se porque é preciso.

Fazendo uso das palavras de Fernando Pessoa:  "Navegar é preciso, viver não é preciso." Concordo.
 E navegar em um mar de palavras traz ainda a vantagem de não causar enjoos.

Há não ser, é claro, que o texto seja mesmo enjoativo, capaz de deixar o leitor nauseado, mas aí é o caso de abandonar o navio no primeiro porto. Ou ponto.
Já viver, apesar de precioso, não é preciso. Em nenhum dos dois sentidos imediatos.
Primeiramente, vive-se porque a vida nos é dada e, sabe como é: "de graça até injeção na testa", é o que dizem por aí. A vida chega até nós como um spam: clique e receba inteiramente grátis, sem taxa de entrega.

 Só depois descobrimos as entrelinhas. E como há entrelinhas!  Entendê-las é,sem dúvida, trabalho para uma vida inteira!

Segundo, porque a vida é um cálculo impreciso, incerto, indecifrado. E, na minha humilde opinião, indecifrável. Até por que, aí reside a graça da brincadeira.

Que graça teria se já conhecêssemos o fim da história? Ah, tá bom, conhecemos parte dele: no fim o mocinho/a morre. Mas isto é tudo o que nos é dado saber. E, no fim, é o mais importante.
Serve para dar-nos consciência do quanto é fundamental que aproveitemos a viagem.

Por isto viajo, me and myself. Na maionese, nas palavras, nas ondas do momento, antes que Leo Henrique chegue tentando me convencer de que o passado não existe, o futuro não existe e o momento não resiste. Quer saber, querido? Desiste!

Mesmo sem saber nadar, me jogo em mares de palavras, com fortes correntes de ideias e cardumes inteiros de crenças.

Sim, eu creio em "mins mesmas". Se bato palmas para que a Fada Sininho não morra, por que cultivaria dúvidas de qualquer raça ou credo? Cruzes! Eu hein...

Prefiro cultivar duendes. Vá que haja mesmo o pote de ouro?
Agora, por favor, meus aplausos...me sinto um tanto enfraquecida...parece até que vocês não acharam meu texto crível...

Viram, não é incrível a dúvida?

Disfarce em branco

Não sejas tão criativo,
sejas só um pouco
o suficiente
para parecer tolo.

Neste mundo seletivo
é arriscado ser louco
da mente...
salva-se
 aquele que mente.

Se o descobrirem
 irão pô-lo
em um quarto
em brancos
aos trancos
para despintar
suas ideias.

Então digo
o abrigo
ideal
é despistar
suas cores...

Seja branco,
burguês
e barbeado.

Seja bela,
não-bronzeada
e bem-sucedida.

Esbanje alvo viço
e lembre:
sua segurança
depende disso.



Torto

Fico ouvindo
o celular
tocando
sem tocar
sempre pensando
que poderia ser
você
e uma vontade
torta
de saudade
morta
de me ver.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Ausência sonora

Sofro de silêncios
incubados,
o teu
e o meu
entrelaçados
nos dedos
que se soltam,
e nas palavras
que se prendem
na garganta
em plena
hora
da janta.

Os olhares,
submarinos,
nos pratos
vazios
feito meninos
vadios
temendo
o castigo.

E os braços
largados
 entre nós
como dois
traços
pedindo
o abrigo
de uma voz.



wordy game

Your abscence
means complete
 nonsense
since my soul
become
senseless
torning
my mind
full
of foolish
wordless
thoughts
which can´t
be turn
 in anything
but
a poem.
Because a poem
is  nothing but
a childish
word game
with
someone´s feelings.


Sem razão

O amor se faz
da ausência
de segredos
e da presença
de medos...
se faz de tardes,
de cedos,
de palavras
de seda
e enredos
de sobra,
de pernas
de cobra
e outros
assombros
que cobram
manter
a cabeça
entre os ombros.

O amor se faz
de tombos.
de cicatrizes
de infinitos
matizes.
Se faz
no que dizes
e no que
não precisa
de verbo
pra sujeitar
o que é sentido.

O amor se faz,
quando já não há
sentido
ou razão
e tudo
o que nos arrasta
é o caos
da sensação.




Rumo

Eu ando tão perdida
que qualquer beco
é avenida;
qualquer sentido,
contramão.

Eu ando tão perdida
como um desalinhado
 de vida
preso na palma
da mão.

Eu ando tão perdida
como ave distraída
que foi pro sul
no verão.

E assim ando,
ressentida,
de uma sorte
anoitecida
sem um  norte -
orientação.


domingo, 25 de agosto de 2013

Desaritmética



"A vida
é uma equação
 irracional
onde
a soma
do quadrado
dos catetos
pode não
 estar contida
no perímetro
urbano
então,
não
a Descartes."

Cinzas




Tem dias
que se desfiam
desafinados
aos som
de finados
amores,
cinzentos
feito flores
desfolhadas,
se arrastando
em busca
da madrugada
que foi embora,
perdendo a hora,
contrariada.

Quem conta um conto recria o encanto





sábado, 24 de agosto de 2013

Saldo

Conheceram-se quando ela tinha 17 e ele, 18.

Ela, melhor média da turma, presidente do grêmio estudantil e membro do clube de xadrez da escola. Reconhecia no primeiro acorde todas as melhores sinfonias. Morena, do tipo mignon. Quarenta e os certos quilos de uma feminina delicadeza, quase submissa, denunciada apenas pelo olhar machadiano, ligeiramente oblíquo e incertamente dissimulado.

Ele, estudante média standart. Passava o ano zoando colegas e professores, conhecia de antemão os últimos lançamentos vocabulares mais imundos e obtinha médias escolares semelhantes ás médias térmicas do inverno gaúcho. No final, gabaritava os provões de cinco a seis disciplinas, em uma injustiça poética de transformar qualquer professor em uma criatura semelhante ao Mr. Hyde.

Ela curtia pubs de estilo londrino ou irlandês, com música ambiente que  perfumasse o ar, ou uma boa banda de jazz ou blues, localizada no melhor ponto acústico.

Ele curtia estacionar o carro junto a qualquer meio fio, abrir a tampa traseira e exibir toda a potência sonora de sua masculinidade, na voz de qualquer pseudo-cantor que desse instruções de como se dança.

Uma equação que tentasse estabelecer o ponto onde as retas destas duas vidas se interceptassem tenderia a resultar em um número irracional.

Mas quem disse que existe racionalidade no destino?

Porém não se iluda, leitor. Isto não é uma história inspirada em Eduardo e Mônica.

A culpa foi da banca de revistas, de espaço insuficiente para conter duas culturas tão distintas.
Enquanto ele empregava todo o seu poder de concentração na escolha da melhor Playboy, ela subitamente derrubou seu exemplar de colecionador, edição capa dourada, dos melhores contos de Poe.

Num acesso de cavalheirismo que jazia até então adormecido nas profundezas de sua ogrice, ele se abaixou para alcançar-lhe o livro.
Já ela, membro VIP, cartão ouro, do clube das feministas pós-modernas, executou exatamente o mesmo movimento em direção ao objeto caído.

Aqui começa toda aquela melação de olhos nos olhos, almas que se encontram e blá, blá, blá, com a qual já desperdiçamos mais árvores do que deveríamos. Então vamos fazer uso de um interessante recurso novelístico-televisivo:

...cinco anos depois...

Naquele ano os dois concluíram a universidade. Receberam seus certificados de gente grande e, como presente dos pais dela, ganharam o apartamento. Como presente dos pais dele, a mobília.

Agora era marcar a data da festa de noivado e iniciar os preparativos  para casamento.

Tudo simples e organizado, num bordado de pontos contados.

No jantar de noivado, ambas as famílias estavam reunidas em torno da mesa. Toalha de um linho branco, virgem, que pertencera ao enxoval da mãe da noiva. Afinal, algo tinha de ser virgem em uma cerimônia tão ortodoxa.

No momento certo, o pai do noivo sinalizou-lhe com o olhar que era chegada a hora de pedir a mão da moça.

É obvio que o rapaz não entendia o porquê de pedir a mão, se já haviam compartilhado de seus corpos, tudo o que havia a ser compartilhado mas, se sempre havia sido assim, menos difícil era seguir o movimento por inércia, geração após geração.

Pedido feito, aceito, discursado e brindado.

Após o farto festim, retiraram-se os convidados e os pratos da mesa.

Os pais da noiva dirigiram-se para seu leito realizados, conscientes de estarem a um passo de delegar a outrem a responsabilidade que lhes pertenceu durante tantos anos.

Ela, na sala, resolveu descansar o corpo na poltrona preferida de ambos, presente já prometido pela mãe, assim que alçasse voo para o próprio ninho.

Por uma daquelas ironias sacanas do destino, ele que agia como se o celular fosse um de seus órgãos vitais, absolutamente indispensável ao funcionamento sadio de seu ser, não o percebera deslizar escuso de seu bolso e refugiar-se, obsceno, na fenda entre a almofada e o encosto da poltrona.

A curiosidade e a feminilidade formam uma mistura absolutamente homogênea.

Mensagens. Caixa de entrada.Uma a uma.

Diante da incapacidade de odiá-lo na presença da traição incontestável, odiou a infeliz criatura que teve a amaldiçoada ideia de manter aqueles significantes dos quais ela não conseguia distinguir bem o significado, registrados, gravados a ferro e fogo em sua retina, em seu coração e em sua mente.

Mentiras. Poderiam ser medusas, transformando seres em pedra com um simples olhar. Mas eram mentiras, e transformaram instantaneamente em pedra tudo o que ela sentira por ele.

Com a calma da frieza, ou a frieza da calma de quem já não sente mais nada, ela tirou a aliança recém presenteada, como quem despe a confiança que não lhe pertence mais.
Levou-a à boca e engoliu, iniciando o processo de digestão da descoberta.

Na manhã seguinte, seu intestino concluiu o processo. Com o cuidado de quem finaliza uma obra de arte, ela escolheu uma embalagem vermelha,como a paixão que um dia sentira e aveludada,como as carícias que tantas vezes trocaram.

Então forrou-a com um papel branco, que lembrava a pureza de sentimentos, que na verdade não habitara a relação deles.

Por um instante ela parou e observou a caixa. Sua mente entrou em modo stand by, mas suas mãos continuaram.

Tranquilamente calçou suas luvas de borracha e coletou a matéria que seu intestino produzira na primeira hora da manhã, com a aliança incrustada, e acomodou o preciosos presente na luxuosa caixa.

Ligou para um serviço de entregas e enviou-o ao endereço de trabalho do ex-amor.

Em seguida arrumou as malas, escreveu um curto bilhete para os pais, juntou seu passaporte aos demais documentos e dirigiu-se ao banco.

Lá chegando, sacou até o último centavo da conta conjunta que mantinham para as despesas da festa e lua de mel, depois rumou para o aeroporto, devidamente indenizada.

Saldo da relação = saldo da conta bancária.










sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Homogêneo

Sinto uma sede
insana,
que não há líquido
que sacie.

Meu suor
já não escorre.
Suspeito
que secou.

Teus resquícios
são tudo
que sobrou
em mim.

Já não sei
se seremos
uníssonos
até o fim.

A Poça

Pouco mais de um metro da mais pura petulância alourada e cacheada, proprietária de um raciocínio linguístico tão veloz que faria a luz sentir-se uma lebre, Maria Antônia não tinha papas na língua e era intimamente chegada a um bom papo.

Na data em questão apresentava-se envelopada no figurino africano, estampado e longo, presenteado pela madrinha,e  desfilava sua feminilidade transbordante pela pracinha quando, de repente seus passos curtos e rebolativos foram subitamente interrompidos por uma visão paradisíaca.

A noite anterior havia sido de precipitações pluviométricas moderadas e ali, bem diante de seus olhinhos faiscantes, um filhote de chuva dormia em seu berço de lama. Era tentação demais para ser errado ou proibido!

Com o canto dos olhinhos aquilinos pôde perceber a ausência de perigo, na distração da mãe.

Num movimento rápido, despiu-se das sandálias e mergulhou prazerosamente os dois pezinhos na maciez fresca da lama, que cobriu-lhe até os tornozelos. Lembrava mingau de caramelo.Talvez com um pouco de chocolate.

Ondas de prazer lhe subiam e desciam pelo corpo no contraste entre a frescura da água da poça e a quentura do sol que fazia cócegas nos mini ombros desnudos.

Claro que, na melhor parte de tudo, no momento orgásmico da travessura, a mãe voltou seus olhos repressores na direção do paraíso e o olhar logo virou som imperativo: "Maria Antônia, sai já daí!"

Como ir para o inferno por meio pecado é um enorme desperdício, a coisinha atrevida mergulhou a ausência de bunda na poça tão depressa, que Usain Bolt se sentiria o Barrichelo.

"Mas, minha filha! Tem minhocas nesta água!"

(...pausa para um olhar felino que era uma mistura de complacência e total desprezo pela ignorância materno-humana...)

"Mamãe...as minhocas vivem debaixo da terra, não nas poças de água! Afff"

A mãe convencida de que há situações em que aceitar uma derrota honrosa é a melhor saída, deixou a versão loira de um misto de Clara Nunes e Gabriela dançar na poça de lama enquanto erguia delicadamente a barra do vestido, e voltou a conversar trivialidades com a madrinha. 

Preto e branco

Minha morte é branca,
alva como a folha,
alvejada no Lettes,
alvejando meu peito,
seco, do leite branco
que um dia foi vida.

Minha morte é branca
como a memória dos velhos
que esqueceram tudo...
até de morrer,
e ninguém os avisou
que já  partiram, em vida.

Minha morte é branca
como papel não reciclado,
virgem das palavras
que gestam a vida.

Minha morte é branca
porque o branco
nada absorve
tudo reflete,
 nada aprende.

Minha vida é negra
pois tudo absorve,
digere, gera
e aprende
até que degenere,
e encontre
o apagamento
 da morte.














Suicídio

Ando perdida
da minha poesia.

Proseio contigo
em frente à tela
com a mente vadia,
que nada revela.

Quando de repente
um verso suicida
numa frase interrompida
se ressente do abandono
e salta
no vazio
da folha
sem pauta.



Marcas

"...e Clarisse está sentada no banheiro e faz marcas com seu pequeno canivete...a dor é menor do que parece, quando ela se corta, ela se esquece..."

Não, eu não sou mais Clarisse. Percebi que poderia ferir o papel, e não a pele, obtendo o mesmo nível de analgesia. Aprendi que poderia rasgar o verbo, o advérbio e o adjetivo, mas preservar  sujeito. Continuo sujeita ás dores da alma, mas as cicatrizes passei a deixá-las no papel.

Crio mosaicos com marcas que singram a alvura do papel sangrando em prosa e verso.

A caneta é um canivete submisso porém, afiado.

Mecenas, financia momentos de paz ao descolar o sofrimento adesivo e colá-lo na folha, decorativo.

 Algoz, denuncia sem piedade o reverso que eu  não queria ser e depois, Pilatos, deixa que o leitor julgue, condene e execute os significados ali contidos.

Assim, reciclando o que sinto, minhas execuções deixam de fazer sentido. Seguimos então a marcha, eu, o papel, e nossas marcas.






quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Procura

De repente percebo que me aproximo cada vez mais de mim mesma. Já posso sentir meu perfume.Aquele mesmo que Leo Henrique odeia. Devo estar logo ali, dobrando a esquina. Se apressasse um pouquinho só o passo...só um pouquinho...Mas aí vem o momento "get stuck", "freeze".

E se eu não for nada daquilo que espero? E se nenhuma de minhas crenças, preferências e verdades estiver contida naquele pacote? E se tudo o que sou for apenas o que aprendi a acreditar que era? E se eu/ela gostar de música sertaneja, for tiete do Luan Santana, ou vestir legging listrada? Se for petista de carteirinha ou souber de cor o Funk das Poderosas? Ai Meu Deus! Lembro na hora todas as preces da catequese de cor e salteado.

Mas é neste momento em que sinto a presença do tornado de Oz, com sua pontualidade infalível. Então meu instinto entra no modo piloto automático e me agarro a tudo o que me livre da voracidade da dúvida: quem sou eu? sou pouco mais de 1m50cm de amor eterno pela literatura, boas músicas e danças,boas comidas e boas gentes e até de gentes não tão boas afinal, dá muito trabalho distinguir umas das outras.

Religião: a do Lulu Santos - "Consideramos justa toda a forma de amor";
Sexo: segundo orientação psiquiátrica o controlador de humor deve ser administrado em dose diária;
Raça: muita, pois é preciso muita raça para não sucumbir á selvageria e manter-se humano;

Então, e o resto? O resto rasteja atrás de mim, á espera de uma rima pobre que encerre o texto na palavra exata. O que ele não sabe é que não há fim em mim. O que ele não sabe é sou sou feita de infinitos recomeços. E se não me encontro, não é porque não saiba onde procurar. É que brincar de esconde-esconde ainda é mais divertido e seguro.





terça-feira, 20 de agosto de 2013

Teste

Andei
até descontinuar
meus passos cansados,
ao descobrir
caminhos não desvirginados
pelos vis
olhos humanos.

Aspirei odores
espirais
anti-gravitacionais
que valsavam
entre elétrons e prótons
irracionais
contrariando
quaisquer teorias
comportamentais.

Usei minha pele
para além de vestimenta
parte da alma, que sedimenta
a tormenta e o prazer.

domingo, 18 de agosto de 2013

Estações

Se te fores
retorno
para a ausência
de mim.
Recomeço
do fim
e volto
ao que esqueço.

Repouso
onde a agonia
criar grama;

Me lavo
onde a lágrima
fizer lama;

Me sacio
onde o sentimento
der rama...

Até que cada grama
da minha alma
se derrame
e ramifique
para que só então
o fim
floresça.

Bipolar

Você diz que
estar no centro
é o certo
mas não consigo
ser eu mesma,
assim.

Subo e desço
neste esboço
que só me leva
ao fundo
do poço.

A sobriedade
me cansa.

Me despe da criança
que dança descalça.

Me exige paciência
e confiança
numa ciência
que não me alcança.

Então eu cerro as pálpebras
e sinto a música:
te convenço pela pose
de pernas trançadas,
enquanto, dissimulada,
minha alma salseia
salão afora.


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O preço da cor

Ás vezes sinto
que meus gritos
invisíveis
ainda ecoam,
foscos,
pelas paredes,
brancas.

Por meia lunação
gestei culpas ectópicas,
menstruei esperanças
e pari o silêncio alvo.

Naquele quarto,
só a solidão
e a dúvida
eram crescentes,
enquanto gentes
e falas
decresciam
até o mutismo.

Amortecida,
me homogeneizei
com o todo
daquela ausência
onde minha essência
virou branco.

Por fim,
de alma nude
fui liberta,
mas advertida
de que mantivesse
tal alvura
pois
toda cor refletida
seria impiedosamente
punida.





quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Contando histórias, me encontro




Ainda

Tento ler
teu silêncio
em Braille;
não enxergo
a cor
que ele tem.
Tua imagem,
ainda tem
contornos
desfocados.
Não tenho
teu mapa.
Ainda são
aprendi
teus caminhos.
Apenas intuo
intenamente.

Ensinamentos

Não entendo
por que poupas
tuas palavras
com tanto zelo
enquanto gasto
as minhas
tão sem
remorso...
mas quando,
finalmente,
me presenteias
com tua eloquência
parcimoniosa
percebo
que sabes de mim
o que eu mesma
desconheço
e aprendo
que o silêncio
pode ser
um professor
amoroso.


Descoberta

...um dia descobri
 que as janelas
 também existiam
 do lado de fora.
 Até então,
achava que
 somente porta
s é que tinham
 dois lados
 afinal,
 entramos
 e saímos
 por elas.
Se,
das janelas,
eu só olhava
de dentro
 para fora,
por que
existiriam
do outro lado?

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Agosto

Agosto
é aposto
logo depois
do meio do ano.
Entre vírgulas,
guarda apenas
o dia dos pais
e
nada
mais.

Cegueira

Tomaram-lhe
o que nunca fora seu.
Sem um arranhão sequer
em seu orgulho
seguiu
rumo
ao horizonte
bendizendo
a bênção
da ignorância.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Refeição

...e lá estavam elas,
 de quatro,
 despudoradas,
em um desequilíbrio
nada sutil
porém,
inteiramente
servil,
cobertas apenas
de ideias
quadriculadas...

Alfabeto anárquico

O vovô
não vê mais
a uva
mais ainda
uiva
quando a viúva
se vira...