quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Feminismo

O ultrage
não está
nos meus trajes...
mesmo assim
trago
comigo
o medo
e pago
a soma
do que não somos:
uníssonas!





Prazeres

 Aos poucos
Meu texto
Ateu
Traça pontes
e eu atravesso
agarrada nos versos
os diversos rios
de medo
reforçando
a fé
na festa
que a vida é.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Alguém para chamar de meu, mesmo que seja eu...até o recheio

Num dia que não deveria ter sido, mas que eu estaria mentindo se dissesse que não foi, um dia qualquer, há aproximadamente doze anos atrás, entendi que precisava de alguém para chamar de meu, mesmo que fosse eu. E entendi que não seria ele.
Foi minha quarta tentativa frustrada, embora eu nem soubesse o que estava tentando.
Outras ainda vieram, depois que entendi. Igualmente frustradas.
Tentei namorados, maridos e até filhos.
Percebi que os parceiros eram deles mesmos e os filhos, do mundo. Percebo que até agora havia conhecido relações de posse unilaterais: eu era/sou deles. Em cada relação deixei de ser minha e não ganhei ninguém.
Quatro filhos até entender que a maternidade é para quem está pronta para se doar...mas eu nem era minha!
Dois casamentos para entender que...por não saber o que procurava, acabei nos endereços errados.
E como é fácil se perder...
As ilusões são sempre doces e coloridas como a casinha da bruxa de João e Maria. E, igualmente, guardam armadilhas perigosas. Porém, quando não há mais nada ao redor e o coração está faminto, por que culpar-se tanto?
Precisei de todas as tentativas e erros para chegar aqui, vislumbrando os 40, e me sentir "quase adulta".
Olho para trás e vejo coisas que nunca estiveram lá, ou melhor, sempre estiveram, mas minha compreensão não alcançava. Centenas de Eus, antes invisíveis, agora sorriem, choram, acenam, gritam, feito peças de um quebra-cabeças que já julgava impossível de completar. Jurei que faltavam peças na caixa. Que tinha sido fabricado com defeito. Sempre acreditei que o quebra-cabeças da minha vida tinha sido mal feito. Mas não.
Tais peças estavam ali o tempo todo, mas só poderiam ser vistas quando eu estivesse prontas. Acho que estou. Ou quase.
Ainda há momentos em que te olho dormir e me procuro em ti. Assisto repetidas vezes aqueles vídeos bobos que gravo enquanto tocas violão, na nossa sala, e posso jurar que me vejo nos teus olhos.
Claro, o sistema ainda falha. Há também aqueles momentos em que duvido de tudo. Quando me perco completamente na tua voz exaltada, carregada de palavras ásperas...quando tu também te perdes. Quando nos perdemos um do outro e o outro do um.
Lembro que quando nos aproximamos, num processo meio lento para o meu ritmo, te achei meio preto-e-branco, meio "pouco quente"...de um equilíbrio quase alarmante.
Engraçado, hoje percebo que, ao nos, encontrarmos, primeiro eu nos perdi. Só com o passar do tempo eu fui nos sentindo, bem lentamente, de um jeito meio etéreo.
Fui sentindo um cheiro de um "nós", cada vez que estavas por perto, e esse cheiro foi trazendo uma fumaça(e nada de rir da referência aqui, viu? ;) ) até que eu pudesse vislumbrar os primeiros laços, numa imagem que ainda não consegui pegar.
Esta fase foi um tanto perturbadora, confesso. Mas eu resisti. Resisti porque havia, contigo na minha vida, a companhia de um Eu, de um Tu e a promessa de um Nós. Tu não me tomavas de mim, ainda que também não te entregasses...
E o tempo foi polindo as arestas que impediam os encaixes. E fui comprovando a hipótese já levantada de que amar não é apenas cuidar mas, perseverar quando dá vontade de fugir.
Contigo pude entender que o que eu fazia era procurar amores com cobertura de chocolate, e me desesperava sempre que a cobertura acabava e eu atingia a massa. Aí era o fim - Hora de procurar outra cobertura.
Quando ficamos juntos, me ofereceste um amor com cobertura de merengue. E eu nem gosto de merengue. Até agora não sei explicar por que aceitei o prato...
Mas tu soubeste me ajudar a continuar garfada após garfada através da massa, que eu sempre achei muito sem graça, só para me mostrar que o que vale mesmo é o recheio.
Obrigada.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Preciso te odiar

Olha, não é nada pessoal. Bom, pensando bem, é totalmente pessoal. É porque és tu. E porque fomos nós e tu me mostraste que aquilo com que sonhei existe. E é lindo.  E nos sacia. Mas também envenena. Alimenta. Mas intoxica.É delicioso. Mas nos consumiria se continuássemos consumindo.

Teu amor foi minha primeira experiência com drogas. Não, os psicotrópicos que tomei antes não contam. Falo do consumo de drogas em busca de prazer. E como queremos mais e mais mesmo sabendo que nos destruiria.

É, talvez eu  precise te odiar. Precise guardar definitivamente todos os teus textos, bilhetes, o caderninho preto, a jarra de plástico transparente com alça quebrada e todas as outras preciosidades numa gaveta bem funda. Ou sem fundo, que os leve de volta ao lugar mágico a que pertencem.

Preciso mesmo parar devassar teu blog desesperadamente sedenta de tuas palavras, que falam a língua que minha alma entende.
(Confesso que sempre leio cada um com muito medo de que não sejam mais meus, com um receio absolutamente justificado de não ser mais a destinatária das tuas palavras. Um dia, que pode ser amanhã, acontecerá. E é logico. E justo. )

Sim, eu tenho vergonha do meu egoísmo. Mas convivo bem com ele. Talvez eu não seja uma boa pessoa. Na verdade ando me contentando em ser apenas uma pessoa.


E demasiado humana.

Olha, pensando bem, acho que de nada adiantaria te odiar, uma vez que o ódio não é senão a outra face do amor.

Pensando bem, talvez não haja mal nenhum em te amar para sempre, mesmo que mude...que mude o ano, a cor do meu cabelo, que mudes de país, que eu mude de estado civil.

O nosso amor bipolar, surrealista, de poesia concreta, jamais teria cabido num contrato de união estável.

Mas é porque o meu mundo se estabilizou, que posso seguir amando.

É porque descobri um amor concreto, sem poesia mas real, que estou aqui escrevendo.

Daqui em diante, o livro está em branco. E a historia é outra.
Eu não encontro eco em ti
e ando vazia
vadiando por palavras escuras,
chorando lágrimas ocas.

Aprendi que a dor
é melhor
que a dormência.

Desaprendi
minha essência.

Eu sou fera
que se alimenta
de palavras cheias
mas as tuas...
são sempre meias:

Meias verdades
Meias mentiras
Meias metades

Inteiramente vazias.

Ando me esvaziando
de fome
sem estrar nutrida.

Deste jeito
ainda acabo
vazia
de vida.


terça-feira, 7 de julho de 2015

Sem razão

É porque eu te amo
que o mundo gira
é porque eu te amo
que o dia nasce
Por que as flores
floresceriam
se eu não te amasse?



Sobre muros e pontes


"Amar os outros é a única salvação individual que conheço. Ninguém estará perdido se der amor e, às vezes, receber amor em troca. " (Clarice lispector)

Esta nossa geração "Eu me amo (SQN)" me causa um misto de medo e pena, com seu discurso mal processado de " é preciso me amar primeiro", "eu primeiro", " se não me amo, não posso amar outra pessoa", " tenho que me amar mais do que qualquer outro", construído nas infindáveis horas de terapia ou solidão.
O que parecem ter esquecido, ou nunca aprenderam, é que mesmo o amor próprio é construído com ajuda de outra(s) pessoas.
É no olhar do outro que construo minha autoimagem. Preciso me sentir amada para descobrir que sou digna de amor e, só então aprendo a me amar.
Sim, preciso me amar. Mas preciso de ajuda para isto também. A ideia do "é preciso bastar-se" é simplesmente inviável para nós, seres humanos. Somos intrinsecamente interdependentes.
E o mais triste neste discurso é que ele costuma vestir pessoas solitárias, machucadas, que buscam uma armadura que as proteja justamente daquilo que as curaria. Não sabem e não aprendem a se amar, por que temem apavoradamente amar o outro. Qualquer outro. E, sem amar outro, não aprendem que são dignas de serem amadas.
Com o tempo, vão se amargurando, se tornando egoístas, erguendo muros ao invés de pontes.
Não se doam, por que temem ser explorados. Não se dão ao prazer de cuidar, de se entregar de olhos fechados.
Ok, nem sempre dá certo. às vezes somos explorados. Há relações que dão errado, claro. Mas é preciso começar para saber se vai dar certo. E é preciso começar do jeito certo: se entregando.
Mão dupla. Eu faço a minha parte. Se o outro não fizer a dele, ok, caio fora. Mas tentei. A prendi que sou capaz e que estou pronta para ser amada. Em algum momento, acontecerá. E acontecerá porque aprendi a construir pontes em lugar dos muros.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Sentimente-se

"Entre a dor e o nada, prefira a dor." Esta frase de William Falkner me veio à cabeça ontem, quando assistia Divertida Mente, no cinema. Demorei muitos anos (muitos mesmo) para entender o que era sentir algo. Sem muitas referências de afeto ou vínculo, concluí ainda na infância que o mais seguro era ficar distante. Ninguém te magoa se não permitires. Se não sentes falta de ninguém, não te sentirás sozinho.
Ok, Funcionou por um bom tempo. Cresci independente e decidida, sabendo que não podia contar com mais ninguém. Até que um dia...
É, a questão é que sempre tem "um dia"! Sei lá por que. Se estava distraída, ou se meu plano tinha prazo de validade...mas embora "um dia" não seja dia da semana, ele sempre chega.
Pois é, um dia chegou alguma coisa que fazia cocegas por dentro. Uma Alegria sonolenta, acordada de surpresa por alguém que até já perdeu a importância que um dia teve, muito embora tenha tido muita, antes de ir embora. Alguém que, antes mesmo de ir embora, já tinha acordado outras coisinhas sonolentas que ibernavam tranquilamente em mim.
Tinha esta senhora de pijama azul, acima do peso, olhos pesados e olhar pesaroso, que já acordou me puxando para baixo. Demoramos um bocado a nos entender. Demorei outra pessoa para aprender que gostava desta velha senhora tanto quanto da tal de Alegria cosquenta.
Hoje entendo que a delícia está no sentir. Tudo. De preferência com toda intensidade possível.
Me delicio com uma e com outra até me fartar. Hoje, a única coisa que me entristece, aborrece e esvazia e a falta de intensidades. DefinitivaMente.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Volta.
Me sinto vazia
sem tua vigia
zelosamente silenciosa.

Vela meu sono
e ilumina meus pensamentos
sombrios.

Apaga
de mim
este frio.

De longe
tão abrigo
que me obriga
do nada
a sorrir sozinha
feito louca
na calçada.

Só mais um

Hoje não digo. Escrevo porque preciso. Porque transbordo em destruidora enchente se não o fizer. Mas não digo. Se disser, terei que ler. Se ler, terei que tomar ciência. 
Não. Melhor uma taça de vinho. Ou duas. Quem sabe um banho quente, no meio da noite.
Quem sabe colocar o aquecedor ao lado do sofá e relembrar o calor da fogueira no meio da floresta.
Deixar que o fogo me aqueça, longe da tua cama fria.
Deixar que a mulher selvagem me alimente antes que a falta de amor me desnutra também o corpo. Talvez depois eu levante e coma uma fruta e desfrute uma vez mais do gosto de estar viva. Aquele gosto que não encontro nos teus lábios, sabe?
Não, acho que não sabes. Ou te importarias. Ou talvez seja  nisto o que eu gostaria de acreditar.
Escrevo uma lista de possibilidades. Ajuda. Remédios.Morte. Vida.
A mão suspensa a meio caminho da boca sustenta a fruta;
A luta me sustenta meio que contrariada.
Quero mesmo não querer nada. Fechar os olhos, os ouvidos, as portas e os pulmões.
Encho os bolsos de pedras e choro o Lete. Mas não afundo; Tampouco minhas memórias.
Por fim, decido começar. Como a fruta, ligo a música, volto ao banho, reescrevo a lista...e sigo. 
Mais um dia.





quarta-feira, 27 de maio de 2015

Bisavó Jóvi

     Eu já era pré-adolescente, mais ou menos, quando me dei por conta que o nome da vó Jóvi nada tinha há ver com "jovem". Apesar dos cabelos branquinhos da bisa, todos encarrapichadinhos, e das marcas do tempo no rosto, eu achava que fazia muito mais sentido que o apelido fosse referência à alegria contagiante e à força inesgotável daquela mulher que casou aos 11 anos, com um marido de 30 e que, apesar de uma vida dura e sofrida parecia eternamente jovem do que uma abreviação de Jovelina.

     Também, não adiantou nada me contar a "verdade" deles. A minha vó Jóvi seria sempre a menininha arteira que reclamou dos rapazes que não tiravam as moças para dançar na minha festa de quinze anos, levantou-se e tomou conta da pista de dança, no auge dos seus noventa e tantos anos.
Eles que ficassem com a Jovelina velhinha deles!

     Com seu cheirinho de sabonete Pom Pom, e batom nos lábios, ela nos recebia sempre com um abraço gostoso e quentinho e eu adorava roçar o rosto no dela porque a pele parecia papel de seda.
"No dia em que vocês chegarem e eu estiver sem batom ou fedendo, me enterrem que estou morta!", ela dizia. Tinha verdadeiro pavor do cheiro de gente velha.

     Eu não entendia o que aqueles olhinhos faiscantes e aquela pele tão macia e com cheirinho de bebê tinham há ver com velhice. E a memória dela? Era incrível! Contava histórias cheias de detalhes e lembrava cada palavra de reza e benzedura, cada erva para cada mal. 

Benzia espinhela caída e quebranto como ninguém. Fazia a benzedura com galho de arruda fêmea ou com carvão em brasa. De olhos fechados, murmurava suas rezas e espantava tudo o que fosse ruim.Vinham gentes até da capital para se benzer com ela.

Também ensinava as mães da família a benzerem os bebês que dormiam de olhos entreabertos. Era quebranto, certo! Coisa muito perigosa para criança. Era preciso pendurar uma figa de ouro em pulseirinha e benzer antes de dormir. Nada melhor contra quebranto do que benzedura de mãe.

Próximo do fim de ano todos a visitavam para receber seu patuá da sorte, uma almofadinha de feltro recheada com ervas mágicas, que deveria ser guardada ao longo do ano para dar sorte. Aproveitando a visita as mulheres pediam que ela lesse a borra do café ou a clara do ovo. Era batata! Não errava uma! No ano em que viu um véu, minha mãe casou. No ano em que viu um caixão, minha tia perdeu a filhinha.

Antes de ir embora, já sabíamos: era ir até o portão e cada um colher seu galinho de arruda. Em poucos segundo e poucas palavras ela brandia o galho em torno do vivente e, de verdinho e viçoso, o galho logo ficava cinzento e murcho. Era porque absorvia toda a energia ruim, ela explicava. Para mim, era mágica. Bruxaria boa. Vai ver que é por isso que a bruxa da história sempre me desperta carinho. Aplaudi Malévola de pé!

Mulher forte que era, não se queixava da vida. Ficou viúva com vinte e poucos e criou os filhos sozinha. Não quis mais saber de homem, depois do bisavô. Também pudera, as histórias sobre ele eram escabrosas.

Homem bruto, do campo, resolvia tudo na espora, no chicote ou no tiro. Pendurava o filho desobediente pelos braços num galho de árvore, depois chicoteava até ver a carne. Então atirava um balde de salmora por cima e deixava lá, por um tempo.Sem coragem de enfrentá-lo diretamente, a bisa esperava ele sair de perto e acudia o filho, refugiando-o em esconderijo seguro. 

Me contaram que quando estourou a úlcera do bisavô, desesperada, ela chamou socorro para irem ao hospital. Naquele tempo e lugar as pessoas só procuravam um médico em último caso, quando já estavam muito mal mesmo. Deste modo, muitos acabavam morrendo. Daí a crença de que médicos matavam as pessoas. 

A última coisa que o bisavô queria era ir ao médico porém, vomitando sangue e muito fraco, teve que se sujeitar à decisão da mulher, pela primeira vez na vida. Mas não, facilmente. À beira da morte, entre xingamentos e palavrões, disse que ela queria o seu fim, mas não conseguiria. Ela, cansada de uma vida inteira de submissão, teve seu único ato de insurreição contra o poder masculino e disse a ele:

-"Quer saber? Tu vais morrer sim! E eu vou fazer xixi em cima da tua sepultura!"

Bom, ninguém sabe ao certo se ela cumpriu a promessa, mas que teve tempo de sobra para isso, teve. Viveu tranquilamente até os 106 anos. Viúva, livre e forte.

    
   

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Por hoje

     Sentada no chão frio do quarto, acompanhada apenas do silêncio, quase desespero. Penso em tudo o que deveria ser, mas não é. E que nunca foi além da minha espera. E talvez nunca vá. Choro. Desesperanceio todos os anseios.
     De repente lembro do que ainda é. Busco e encontro. Me acompanho do afeto que se faz presença mesmo na distância.  Apazíguo minha ansiedade faminta nas palavras que abraçam e beijam. Me aninho. Lembro, sinto, temo...tremo, penso, não decido, não desisto, mas não choro mais. Não choro mais, não desespero mais, não esfrio mais, não esquento mais. Entendo que nada à minha volta é mais...tudo é menos do que deveria ser, mas não volto. Fico. Fincada feito árvore neste faz-de-conta finjo não saber que a conta será alta. Voo baixo. Acho  que esqueci como usar minhas asas. Queria tanto um chão sob meus pés que abri mão das coisas que tem no céu e fechei os olhos...e fechei as asas.
     Olho para a porta aberta e não entendo por que não a ultrapasso. Meus passos seguem teimosos na direção escolhida. Me encolho um pouco mais para caber na nova história. Agradeço o apoio e me aparto acovardada, com medo de novas partidas.
     De mão dadas, a solidão e o silêncio me acompanham ao banho.
     Lavo todas as dúvidas, por hoje, menos uma: ler, escrever, ou dormir?  
     Findo e lido...boa noite!
 

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Faxina

     É abril. As águas de março já fecharam o verão mas o calor ainda não se despediu. O céu cinzento e a garoa fina deixam tudo opaco.
     Véspera do feriado de Tiradentes, segunda-feira, folga muito bem-vinda para a maioria mas indiferente para mim, que não trabalho segunda. Dia de "compensação", quando me recompenso para não descompensar de vez.
     Atualmente, há cerca de um ano, é o dia em que faxino, e não apenas a casa. Limpo dos cantos os restos de pensamentos empoeirados, lavo os porquês, estendo os arrependimentos ao sol, espano emoções ao som de Chico Buarque e me inspiro de novas poesias com as mãos no detergente. É...deter a gente é fácil, difícil é deter a mente entupida de pendências.
     Depois de enxaguar as mãos e as dúvidas revejo amores passados, pendurados nos cabides de trás e resisto à tentação de vestí-los mais uma vez, só para ver se ainda serviriam. Percebo que o último amor desbotou mais do que eu previa e me pergunto se a razão disto é a minha falta de cuidado ou a qualidade do produto. Termino concluindo que é melhor ter cautela para evitar o desgaste precoce e prossigo com a organização.
     De tempos em tempos paro para um chá, um capuccino, um quintana, um leminski ou um forró bem pegado na frente do espelho. Depois gasto dois ou três minutos para flertar com o rosto suado e rosado, de olhos brilhantes que me namora. Reparo que é a mesma que me espia no reflexo, depois de um orgasmo. Gosto dela, é um misto de Baba Yaga e Capitu, que se sacode inteira quando Clara Nunes se convida pelo radio.  
    Logo depois da dança, a limpeza continua -  não posso perder o ritmo, a previsão para amanhã é de dia ensolarado, então coloco a roupa e as renúncias para lavar, pois iremos precisar delas durante a semana.
   
   
   

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Questionamento

Por que não calo?
Por que continuo
confessando
minhas ânsias
a ouvidos catatônicos?

Será carência?
Impaciência?
Ou pura imprudência?

segunda-feira, 30 de março de 2015

Tenho 39 anos, pós-graduação, três casamentos, quatro filhos e emprego estável. Isto deveria fazer de mim uma adulta. Um ser capaz de agir com maturidade diante de todo o tipo de situação complexa que possa se apresentar no dia-a-dia atribulado de uma vida moderna. Só que não faz.

Talvez alguma coisa tenha saído errado. Desde os dezoito que espero a manhã mágica na qual acordarei com todas as respostas na ponta da língua, ciente da origem do universo, do criador de Deus, de onde viemos, por que estamos aqui e para aonde vamos.

Talvez eu seja meio lerda, A verdade é que sinto que sei cada vez menos. As dúvidas só aumentam. Eu tinha muito mais certezas aos oito anos. Sinto falta de minhas certezas, que caem por terra ano após ano, feito frutas maduras.

Começo a duvidar da existência deste ser "adulto". Mas afinal, o que é um "adulto"? Segundo meu marido , um adulto não é senão uma criança cujo corpo cresceu. O problema é que nem mesmo neste conceito eu me encaixo, uma vez que não passei de 1.53m de altura. É, definitivamente eu não sou uma adulta.

O problema é que ninguém que eu tenha conhecido comporta-se integralmente como seria de se esperar de um adulto. Minha mãe morreu aos 59 anos ainda reproduzindo um comportamento adequado à primeira infância. Fantasiava o passado e negava tudo aquilo com que não sabia lidar.

Sempre lembro da letra de "Pais e Filhos", do Legião: " ...você culpa seus pais por tudo, são crianças como você, o que você vai ser quando você crescer..." Nunca culpei minha mãe por não ser uma adulta. Talvez eu já soubesse, intimamente, que eu também jamais seria.

O problema é aceitar isto, quando tanta gente cobra esta "adultice"da gente. Filhos, alunos e até amigos vivem cobrando respostas que não temos e acabamos por nos questionar se estamos ou não atrasados no processo de amadurecimento.

Ok. Talvez eu esteja. Ou talvez este ser "adulto"seja tão real quanto o Pé grande, o Coelho da Páscoa e o Papai Noel. Vá saber...eu é que não garanto!




sábado, 28 de março de 2015

Das coisas que eu não sei

Quantas estrelas há no céu;
Por que me apaixonei por ti;
Todas as capitais Africanas;
Se há vida após a morte;
Como ser paciente;
O que será de nós...

Desesperança

Desconfio
desta tua
descrença
desconcertante
desfiada
dia a dia
desafiando a
desordem
da minha fé.

Futebol

Quando brilha
o Beira-Rio
na beira
do lago
o jogo
te leva
e eu
te trago
antes
que os tragos
te levem
de vez...

segunda-feira, 16 de março de 2015

Os olhos são a janela da alma, mas há janelas descortinadas e janelas ocultas. Os teus são inescrutáveis. Os óculos que os ocultam são a única transparência. Nada se lê em tua escuridão castanha. Mergulho em  noite de lua nova. Mar de dúvidas invernais. Oceano de incertezas.
Teu olhar nunca abraça. Está sempre há um passo de distância. Nada te comove. Só é possível te amar, cegamente...

Ainda

Ainda

Eu ainda
temo
o silêncio
e a inocência

Eu ainda
remo
à procura
daquilo que cura
minha impaciência

Eu ainda
sangro
saudades
enquanto singro
oceanos 
de verdades

Eu ainda 
erro a mira
em fuga da mentira

Eu ainda
paro
para esperar
minhas pretensiosas esperanças
passarem

Eu ainda
me espero
em ti
todo fim de dia

Eu ainda
me alimento
de agonia.

Engano

Eu não queria um anel.
Nem um véu.
Nem a lua,
de mel
ou as nuvens,
do céu.
Não queria rima,
nem rosa.
Quer saber?
Tem hora,
como agora,
que eu não queria
nem querer...

sexta-feira, 13 de março de 2015

Saboreio a tristeza como a uma taça de vinho.Ambas me esvaziam. Desembarco do ônibus como se desembarcasse de mim. Sou leito seco de rio que bebe a chuva sem fazer poça. Ávida. Meus poros devoram a brisa morna rompendo a virgindade. Abro a boca e sinto o gosto das folhas secas ao vento anunciando o outono. Tudo em mim "outona",sem saber de primavera. Não apresso o passo, passeio na pressa alheia. Outros que desembarcaram passam por mim embarcados nas próprias vidas. Não há vida em mim neste momento. Ando na mesma direção de todo o dia, para casa, mas não há casa em mim. Sou só caminho. Subo as escadas muda de pensamentos, até o último degrau. Paro. Solto o cabelo sem saber ao certo o porquê, mas quando ele desce pelos ombros e apoia minhas costas, me sinto mais segura. A chave dá duas voltas avisando que a casa está tão vazia quanto eu. Apenas a escuridão e silêncio  me recebem. As mensagens chegam com o wi-fi, me chamando de volta. Deleto o post que não deveria ter sido comentado. Deleto os pensamentos que não deveriam ter sido pensados. Guardo algumas sensações nas gavetas certas e começo a organizar...a janta e as estações em mim.