A primeira coisa que ela fazia logo após abrir os olhos era dizer "eu te amo" ao pé do ouvido dele. Sabia que ele ainda dormia, mas adorava ouvir o murmúrio de sua resposta ininteligível. Sabia que vinha da parte mais profunda do subconsciente dele.Lá onde os monstros tremiam sob a mira do pequeno pistoleiro de olhos verdes. Sabia que aquele som poderia significar qualquer coisa, de um "eu também te amo" a um "me deixa dormir em paz, sua louca"...mas aquele ruído a preenchia como um líquido morno e denso. Era seu café da manhã!
Depois disto, estava pronta para saltar da cama, vestir-se, escovar os dentes, prender os cabelos e ir trabalhar. Mas antes de sair, ainda cheirava a face dele uma última vez, abastecendo-se também daquele perfume de marshmallow, abacaxi e baunilha,que ele exalava pela manhã. Havia também alguma coisa verde, que ela não conseguia definir bem...parecia hortelã, mas não era bem isto...talvez kiwi... ou outra dessas coisas que o adoçavam.
Ao deixar o quarto, ela ia reunindo os rastros de convivência da noite anterior: xícaras, copos, pratos, embalagens de waffer de limão, meias sujas pelo chão e calçados deixados na sala. A cada objeto recolhido, sentia a vida pulsar no apartamento. A louça suja ficaria na pia quando saísse, mas não estaria lá quando ela voltasse. Sabia disto. Seus acordos eram tácitos. A compensação, justa.
E assim iam brincando de casinha, revezando-se na contradição dos papéis, sempre complementares, ora garotos perdidos, ora adultescidos, tentando não adulterar suas crenças, não assassinar suas crianças interiores, frequentemente pouco interiores. Discutiam idéias e ideais; despiam-se de roupas, pudores e receios; dançavam ao som da mesma música, que ninguém mais ouvia. E sem errar o passo.
O resto da história, o tempo que passe, e conte. Por enquanto é só.
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